InBehaviorLab – Economia Comportamental

Talvez você não precise de tudo o que tem

Adeptos de um estilo de vida menos centrado no consumo valorizam apenas o essencial para terem uma rotina mais leve. Saiba como aprender com eles

“Vou jogar tudo fora.” Depois de ler o best-seller A mágica da arrumação, da japonesa Marie Kondo, essa é a ideia que pode ficar martelando na sua cabeça. A autora especialista em organização, que promete revolucionar espaços pessoais e casas cheias de objetos acumulados, é sucesso de vendas no mundo inteiro. No livro, Marie conta que, facilmente, passa de um milhão o número de coisas que seus clientes jogam fora com a ajuda dela. Gente que não conseguia manter a casa organizada e pensava que precisava de um apartamento com mais metros quadros ou reservar mais espaços do lar para armazenamento jogou no lixo dezenas e dezenas de sacolas abarrotadas de pertences.

A popularidade do livro de Marie e o surgimento de movimentos como o minimalismo — que prega uma rotina mais simples e menos centrada no consumo — sugerem que, provavelmente, nossa sociedade está à procura de uma maneira de “destralhar” o dia a dia e os espaços pessoais. Mas você não precisa jogar tudo fora e muito menos comprar tudo novo para se beneficiar de uma simplicidade voluntária.

No meio de páginas e mais páginas já escritas sobre o assunto, e de relatos de quem resolveu priorizar apenas o essencial dentro da própria casa, no trabalho e na vida, há lições práticas para o dia a dia, reflexões sobre consumo e um alerta para não cair no modismo da vida simples, que pode nos levar a comprar ainda mais. Basta ver os resultados que o Google revela ao buscar pelo termo “minimalismo”: projetos de decoração com móveis vendidos por lojas de luxo.

Cultura do acúmulo

No banheiro, meia dúzia de garrafas de xampu pela metade espalhadas perto do chuveiro. Algumas sequer eram usadas. Nas gavetas, cosméticos vencidos e coisas que nem lembrava que estavam lá. É fácil se identificar com o modo como a gerente de projetos Fernanda Marinho, 35 anos, costumava manter o banheiro, um dos espaços mais usados de sua casa.

Acúmulos como o de Fernanda são comuns. Entre os anos de 2001 e 2005, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, examinaram de perto lares de famílias de classe média americanas para entender a relação das pessoas com seus objetos. O estudo gerou um livro — Life at home in the 21st century: 32 families open their doors (A vida no lar no século 21: famílias abrem suas portas, em tradução livre), publicado em 2012 — e cunhou o termo “cultura do acúmulo”: compra-se muito, guarda-se tudo. Em uma das casas, nos primeiros três quartos, foram encontrados 2.260 itens em exposição, sem contar o que estava guardado.

Para quem é adepto do minimalismo, a vida começa a ganhar mais sentido quando se mantém apenas o que é necessário. Autora do blog Minimalizo, Fernanda adotou o lema de eliminar o supérfluo e focar no essencial. O que começou como uma atitude para diminuir o número de objetos em casa virou um mantra a ser adotado no trabalho e nas tarefas diárias.

— A satisfação do consumo é muito momentânea. Você compra uma roupa nova e fica feliz mas, daqui a pouco, isso passa. O que fica são as dívidas — avalia Fernanda.

A mineira livrou-se de todos aqueles frascos de xampu sem uso e decidiu eliminar também outros excessos no resto da casa. Ela se deu conta do seu acúmulo quando mudou-se para a casa da mãe, em 2012. Com apenas um quarto disponível para guardar tudo, conseguiu enxergar o que era desnecessário. Enxugou o guarda-roupa, passando a manter apenas o que realmente veste, gosta e ainda serve. Fez um pacto consigo mesma para comprar produtos apenas quando outros já tivessem terminado ou fizerem falta.

Em uma segunda mudança de endereço, dessa vez para dividir o apartamento com o namorado, não contratou serviço de TV a cabo. Resolveu testar se sentiria falta, e não sentiu. Na nova casa, percebeu a utilidade de um micro-ondas e comprou um, sem culpa.

Depois de doar e descartar muita coisa, Fernanda diz que se desapegar melhora a produtividade no trabalho e faz ter mais controle sobre a vida:

— Isso traz segurança e aumenta a autoestima. Você toma conta da sua vida. Uso a roupa que quero usar, e não algo que escolhi só por causa da culpa de …construção da sua história.

Para não cair em radicalismos, a questão principal para levar uma vida mais simples pode estar em desfazer-se das coisas que não têm mais sentido, como aqueles objetos baratos comprados por impulso.

— A gente guarda muita coisa para ocasiões especiais, usa aquele perfume só para sair. Mas quando você só tem coisas que ama, gosta e que são úteis, todos os dias são mais especiais — diz Fernanda, do blog Minimalizo.

A americana Francine Jay, autora do livro Menos é mais, passou pelo mesmo processo de “desapego” de Fernanda e resolveu criar um guia minimalista. Francine acredita que, ao olhar para todos os itens que acumulamos ao longo do tempo, somos tomados por estresse, e não pela felicidade que foi prometida no instante da compra.

“Nos sentimos compelidos a comprar e a acumular coisas que contêm promessas: de nos fazer mais felizes, bonitos, inteligentes, amados, organizados, capazes, melhores pais ou maridos. Mas, pense assim: se essas coisas ainda não cumpriram suas promessas, talvez seja hora de se livrar delas”, escreve a autora.

Minimalismo pode remeter a espaços brancos, estéreis, elitistas. Mas, para Francine, seria a otimização de espaços. O minimalismo na medida, segundo ela, é a procura pelo bem-estar com a otimização do espaço, do tempo e do que fazemos com as coisas e o dinheiro que adquirimos. Tentar eliminar o acúmulo e ser realista com a verdadeira utilidade e felicidade que traz cada objeto. Consumir de maneira mais racional poupa dinheiro, tempo e pode deixar a vida mais prazerosa.

— Tentamos racionalizar a compra depois que foi feita. Então, quando você consome algo por impulso e depois joga fora, tem de admitir para si mesmo que não precisava daquilo. Por isso, vem aquele pensamento: “Talvez precise disso alguma hora” — afirma a economista comportamental.

Mas ela alerta: não há nada de errado em guardar itens para ocasiões especiais. É preciso pensar se, quando o dia virá, você vai realmente fazer uso disso:

— Determine o que é essencial. O que não contribui para nada de positivo e ainda causa efeitos negativos, como tirar a nossa atenção, tempo e espaço de descanso, é que devemos eliminar.

MENOS É MAIS NA PRÁTICA

ACUMULE MENOS PARA TER MAIS CONTROLE

Quanto menos coisas você guarda, mais consegue controlar. Isso evita a compra de itens duplicados.

DOE OU VENDA

Apegar-se a itens que não são úteis porque eles custaram caro significa que a decisão da compra não foi a mais correta. Doe ou venda. Afinal, se o objeto for usado por outra pessoa ou você recuperar um pouco do dinheiro gasto com ele, já tira melhor proveito da situação.

“CONVERSE” COM AS SUAS COISAS

Comece por lugares mais fáceis para se desfazer das coisas, como uma gaveta. Tire tudo de dentro e coloque de volta apenas o que você quer manter. Tenha uma “conversa” com cada coisa: isso é útil? Isso me faz feliz? Como isso chegou na minha vida?

NÃO BASTA SER ÚTIL

Para algo ser útil, é preciso ter utilidade. Ainda que o descascador de frutas possa ser uma grande ajuda na cozinha, se ele não está sendo usado, é apenas mais um objeto para o acúmulo.

VALORIZE AS COISAS QUE VOCÊ AMA

Você ama aquela obra de arte. Então, por que a deixou guardada na gaveta para poupá-la? Os itens de que você gosta devem ficar expostos para deixar a casa mais bonita ou mais aconchegante. Coisas guardadas são apenas coisas guardadas.

COMPRE EM MENOR QUANTIDADE

Se a sua geladeira constantemente tem itens estragados, reavalie o quanto você compra. Talvez seja melhor ir mais vezes ao supermercado e comprar em pequenas quantidades.

PENSE ANTES DE COMPRAR ALGO NOVAMENTE

Na hora de comprar, pense nas coisas que você já eliminou. Não compre apenas porque está na promoção. Às vezes, itens com o preço maior podem ser melhor utilizados.

Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/vida/noticia/2016/09/talvez-voce-nao-precise-de-tudo-o-que-tem-7620192.html

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